sexta-feira, 18 de setembro de 2009

POLÍTICA GLOBAL DE LETRAMENTO ESCOLAR: FASE EMBRIONÁRIA

09 de setembro de 2009.
O texto “Reflexões sobre a concepção de linguagem nos Referenciais Curriculares de Língua Portuguesa e Literatura da Secretaria de Educação do Estado do Rio Grande do Sul”, feito com minhas colegas Thaís e Carolina, para uma disciplina do mestrado em Linguística Aplicada e recentemente postado neste blog, é fundamental para a compreensão de um sério problema que não por acaso as políticas públicas de melhorias no ensino, em geral, não conseguem resolver.
Em suma, esse texto analisa a concepção de linguagem que subjaz nos Referenciais… – documento produzido por professoras da UFRGS, a pedido do Governo do Estado, que será lançado possivelmente ainda este ano. Na revisão teórica feita sobre o assunto, percebem-se três concepções de linguagem diferentes na história recente do país: (1) linguagem como estrutura, que gera um ensino baseado no estudo da palavra; (2) linguagem como comunicação, que promove um ensino direcionado à frase; e (3) linguagem como interação e prática social, cujo objeto de ensino fundamental é o texto.
Desde a década de 80, no Brasil, os linguistas vêm manifestando clara adesão à concepção (3), em detrimento de (1) e (2). Apesar de uma resistência ainda relativamente forte por parte dos professores de português, a proposta dos linguistas tem sido aceita cada vez mais amplamente e, passados 30 anos de muita luta, hoje, é possível dizer que tomar o texto como unidade basilar da aula de português não é mais novidade. É bem verdade, porém, que – como mostram muitas pesquisas de Trabalhos de Conclusão e Dissertações de Mestrado – o discurso e a prática de muitos professores de LP ainda não andam juntos, o primeiro na concepção (3) e a segunda na (1) e (2). Embora timidamente, a distância entre ambos tem diminuído – parece – devido não só à adesão em massa à essa concepção interacionista da linguagem por parte dos professores universitários do país (que formam os novos professores), como também aos programas de formação continuada que têm sido largamente promovidos e incentivados pelo MEC, pelas universidades e pelas secretarias municipais de educação, sobretudo.
A mudança na concepção de linguagem dos professores, no entanto, se refere basicamente aos professores de português, uma vez que é nessa formação que os problemas da linguagem são mais centralmente provocados e discutidos. A contraparte disso é que os professores de todas as outras áreas do conhecimento continuam sendo formados pelas concepções de linguagem (1) e (2). Em geral, fizeram tanto o Ensino Fundamental quanto o Médio com predominância de professores nas concepções (1) e (2). Na faculdade, ainda que o professor da única disciplina de produção de textos aborde a questão interacional, isso não é suficiente em contrapartida com todos os outros professores que não tratam do tema. Desde o Ensino Fundamental até o Ensino Superior, portanto, professores de áreas como História, Geografia, Ciências, Ensino Religioso, etc., que trabalham com produções de textos em suas aulas, tratam da questão da linguagem nas perspectivas (1) e (2).
Essas constatações, é importante sublinhar, não encerram nenhuma crítica a esses professores. Pelo contrário, o que estou destacando é a influência e o poder que esses outros professores têm no tratamento com a linguagem, que merece, portanto, maior atenção.
Nesse sentido, ao tratar dos resultados das avaliações diagnósticas das redações do município, propus aos cursistas que, a partir do estudo cuidadoso das planilhas de avaliação, elaborassem, turma por turma, PARECERES do diagnóstico. Esses pareceres deveriam seguir as seguintes orientações:
• Destacar as habilidades mais firmemente construídas pelos alunos (fortalezas) com uma reflexão sobre as vantagens dessas habilidades;
• Destacar as dificuldades mais recorrentes e mais intensas diagnosticadas com uma reflexão sobre os prejuízos dessas dificuldades;
• Propor estratégias (orientações) para o trabalho que envolva produção de texto com essa turma.
Importante:
– Utilizar uma linguagem compreensível a outros professores (valendo-se de exemplos, quando possível).
Na elaboração desses pareceres, o professores se revestem de diferentes papéis, que representam os diferentes níveis de atuação política e educacional que estão envolvidos na situação:
Avaliador externo: o diagnóstico está sendo emitido a partir de uma avaliação de caráter externo, o que dá maior credibilidade ao julgamento;
Especialista em Língua Materna: o professor assume sua condição de conhecedor dos mecanismos linguísticos e textuais para dar orientações técnicas a professores especialistas de outras áreas do conhecimento;
Professor de Português da turma em questão: na qualidade de professor do dia-a-dia da turma em questão, o professor pode falar conhecendo aluno a aluno, tendo consciência mais humana das dificuldades que aparecem nos resultados, o que torna o diagnóstico “menos frio”.
Esses pareceres foram entregues para mim e para as respectivas coordenadoras e coordenador pedagógicos das escolas a fim de que eles, após conversa com os professores de português, trabalhassem essas orientações dos pareceres com os professores de todas as áreas nas reuniões mensais individuais que ocorrem nas nossas escolas municipais.
É uma fase embrionária de uma política global de letramento escolar, entendendo o “global” enquanto responsabilidade de todas as áreas e o “letramento escolar” como sendo a habilidade de utilizar as práticas de leitura e de escrita realizadas no ambiente escolar para construir verdadeiramente sentidos sociais que possam alavancar oportunidades e condições sociais para o estudante. É “político”, porque eleva de uma postura política do professor de língua materna que se articula com as outras áreas do conhecimento, trazendo para elas o que de melhor pode contribuir, não se eximindo de sua responsabilidade de contribuir para o ensino de língua e, ao mesmo tempo, co-responsabilizando a todos que, uma vez orientados, podem resolver de forma mais apropriada as demandas que emergem em suas aulas.
O “embrionária” diz respeito diretamente à fase em que nos encontramos quanto a esse projeto. Modéstia à parte e com orgulho e apoio de meus colegas, tive a felicidade de mexer em algo que ninguém queria. Agora, a ideia está lançada, mas não penso que eu tenha o direito de determinar como cada escola vai assumir a questão para si. Com certeza, algumas escolas – espero que muitas – vão implantar e reelaborar e aperfeiçoar essa política (tornando-a, efetivamente, uma política da escola). Era esse o meu objetivo.

Um comentário:

  1. Cassiano, virei leitora assídua do teu blog!! Parabéns!!! Abraço da colega Thais

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