domingo, 20 de setembro de 2009

PARECER GERAL DAS PRODUÇÕES TEXTUAIS

Por ocasião da Avaliação Diagnóstica de Entrada do Programa Gestão da Aprendizagem Escolar (Gestar II), no que se refere às Provas de Produção de Texto, realizadas por todas as turmas de 6º a 9º anos das escolas municipais de Igrejinha, o grupo de professores de Língua Portuguesa deste município, após a apreciação detalhada das provas, se reuniu a fim de produzir pareceres sobre os resultados dessa Avaliação…. As condições de produção desses pareceres, portanto, são formadas pelos seguintes parâmetros:

1. Os emissores são os professores de Língua Portuguesa do município, que se revestem de, pelo menos, três papéis sociais importantes.
a) Avaliador externo: o diagnóstico está sendo emitido a partir de uma avaliação de caráter externo, o que dá maior credibilidade ao julgamento;
b) Especialista em Língua Materna: o professor assume sua condição de conhecedor dos mecanismos linguísticos e textuais para dar orientações técnicas a professores especialistas de outras áreas do conhecimento;
c) Professor de Português da turma em questão: na qualidade de professor do dia-a-dia da turma em questão, o professor pode falar conhecendo aluno a aluno, tendo consciência mais humana das dificuldades que aparecem nos resultados, o que torna o diagnóstico “menos frio”.
2. Os destinatários são os professores de todas as outras áreas do conhecimento das respectivas turmas, uma vez que, em geral, trabalham com leitura e produção de diferentes gêneros textuais, sem ter, no entanto, via de regra, conhecimentos técnicos sobre as consequências que têm a assunção de uma concepção x ou y de linguagem para a aprendizagem de suas disciplinas.
3. A finalidade do parecer é orientar professores de todas as áreas do conhecimento na didatização dos procedimentos de leitura e escrita que são propostos no cotidiano escolar.
4. O gênero discursivo escolhido para realizar essa tarefa, como já foi dito, é o parecer. A escolha se deu em razão do reconhecido poder institucionalizado desse gênero. Assim, para ser reconhecido, nas instituições escolares, o estatuto de “compromisso profissional” por parte de todos os envolvidos nessa tarefa, o parecer demonstra maior alcance.
5. Toda a articulação desse movimento parte de um grupo de profissionais organizados e respaldados por uma extensa formação continuada, se concretiza em pareceres direcionados para cada turma de cada escola municipal e chega, por fim, à escola, através do coordenador pedagógico, que tem poder institucional e formação adequada para orientar os professores.

Situada brevemente a situação de produção dos pareceres, é possível que, na condição de Professor-Formador do grupo de Língua Portuguesa, tente traçar um panorama geral do que foi apontado nos diversos pareceres. Não será possível, porém, detalhar cada série, dada a diversidade das realidades escolares da Rede Municipal de Igrejinha. Portanto, as informações a seguir são gerais e correspondem a todos os anos finais do Ensino Fundamental.
É muito difícil generalizar o que os alunos da Rede conseguem realizar com sucesso, uma vez que as informações fornecidas pelos pareceres não são sempre parelhas. Mas é possível perceber certa tendência ao sucesso nas questões de apresentação e de conteúdo. No que se refere à apresentação (letra legível, respeito às margens e às linhas da folha, organização gráfica dos parágrafos, etc.), em geral, os pareceres destacaram a satisfação por esse critério. Algumas restrições foram feitas a esse respeito, no entanto, pois não são todos os alunos, em nenhuma escola, que atendem a essa expectativa plenamente.
Quanto ao conteúdo, muitos pareceres demonstram satisfação. Os pareceres destrincham o que chamam de “conteúdo” referindo-se à estrutura narrativa (situação inicial, complicação, ações e desfecho) e a seus elementos (narrador, personagens, tempo, espaço, ações) e a uma observada clareza na organização do texto argumentativo. Sobre a organização do texto narrativo, entretanto, é necessário ressaltar que, ao que se sugere nos pareceres, ainda que constem todos esses elementos fundamentais dos gêneros narrativos, muitas vezes, eles não se articulam entre si com a qualidade desejada. A clareza do texto argumentativo, por sua vez, vale dizer, é limitada pela articulação lógica e pela dificuldade de progressão dos argumentos, que frequentemente são repetitivos e inconsistentes.
As dificuldades são mais unanimemente apontadas pelos pareceres. Podem-se organizá-las em quatro categorias distintas: usos e convenções da escrita, convenções linguístico-gramaticais, uso do registro e organização e planejamento textuais.
Os usos e convenções da escrita são os problemas mais facilmente identificáveis e, desse modo, os mais mencionados pelos pareceres. Diz respeito às dificuldades ortográficas e à pontuação. As dificuldades ortográficas se realizam nas trocas de letras como podemos ver no quadro abaixo:



Chama a atenção, as trocas motivadas pelos pares surdos e sonoros, como mostradas pelo quadro abaixo. A marca que diferencia essas letras na pronúncia é apenas a vibração ou não-vibração das cordas vocais, o que dificulta para o aluno pouco letrado na escolha entre as opções que se oferecem.


É recorrente, ainda, dentro dos problemas com os usos e convenções da escrita, o mau uso de letras maiúsculas e minúsculas. Apesar da recorrência desse problema, os professores destacam que, quando chamada a atenção dos alunos, eles “sabem” corrigir esse problema, o que sugere que pouca importância tem sido dada por parte dos professores no histórico escolar do aluno a esse respeito.
As convenções linguístico-gramaticais são basicamente de duas naturezas: concordância e regência. A concordância se refere ao uso adequado de masculino-feminino e singular-plural. A regência corresponde ao uso adequado das preposições. Com uma leitura em voz alta, segundo alguns professores-pareceristas, o próprio aluno, com o auxílio e incentivo do professor, pode corrigir grande parte desses problemas.
Quanto ao uso do registro, foram apontadas marcas indesejadas da linguagem informal em textos que se esperam mais formais. Registro é o nome que se dá aos graus de (in)formalidade das situações de interação. É consensual que os níveis de informalidade não apresentam problemas em si. A linguagem deve ser usada como usamos nosso guarda-roupa: não se vai a uma festa de 15 anos de bermuda ou biquíni, nem se vai à praia de terno ou de vestido longo. Na escola, podem-se requerer diversos níveis de formalidade, mas o que importa é sempre ser combinado (e, posteriormente, cobrado) o nível esperado pelo professor.
É na organização e no planejamento textuais que os resultados são mais acentuados. Podemos apontar cinco categorias distintas de problemas dessa natureza: falta de gradação dos argumentos, escolhas inadequadas dos operadores argumentativos, falta de organização frasal, desconhecimento dos procedimentos de paragrafação, mau uso do sistema de retomadas.
A falta de gradação dos argumentos é o problema facilmente identificado de quando o texto não organiza sua argumentação do geral para o específico (ou vice-e-versa) ou do simples ao complexo, ou seja, numa ordem hierárquica de argumentos. Esse problema está diretamente ligado à falta de planejamento do texto e, por conseguinte, falta de mediação do professor no histórico escolar do aluno. O aluno não planeja, porque não foi ensinado a planejar.
As escolhas inadequadas dos operadores argumentativos (palavras e expressões que estabelecem relações lógicas, como “portanto”, “entretanto”, “afim de”, “porém”, “ao passo que”, etc.) se deve, possivelmente, à pobreza vocabular, de um lado, e à pouca atenção dispensada a essa questão por parte dos professores no histórico escolar dos alunos. Na verdade, essa é uma sofisticação para a qual a escola ainda não se voltou suficientemente, provavelmente, pela pouca proficiência dos próprios professores na produção escrita em língua materna.
A falta de organização frasal é a dificuldade de organizar um determinado conteúdo informacional numa frase completa e organizada. Essa é uma dificuldade que, para ser superada pelo aluno, requer a mediação do professor e, por vezes, a própria demonstração e proposta de reescrita pelo professor para que o aluno aprenda a reescrever. O aluno não tem chance de conseguir desfazer esse tipo de problema sozinho, se não tiver frequentes experiências de mediação em seu histórico escolar. Ele exige um nível de conhecimento mais sofisticado, ainda que a leitura em voz alta possibilite a percepção do problema.
O desconhecimento dos procedimentos de paragrafação foi percebido, uma vez que um número muito alto de estudantes ou não faz separação de parágrafos ou fazem separação a cada frase escrita. Esse problema mostra a falta de consciência da unidade temática que une determinadas informações em torno de cada parágrafo. Também para isso precisa da mediação do professor a cada produção textual do aluno.
Por fim, o mau uso do sistema de retomadas também foi notadamente indicado como dificuldade pelos pareceres. Basicamente, o sistema de retomadas – que não só retoma uma expressão citada no texto anterior próximo mas também evita a repetição dessa expressão – compreende, por um lado, o uso dos pronomes (por exemplo, “o menino” => “ele”); por outro lado, o uso de expressões nominais (por exemplo, “o menino” => “o garoto”). O mau uso desse sistema se efetiva geralmente com repetições exageradas de um pronome ou de uma expressão (repetir várias vezes “o menino”, por exemplo) e com o uso insuficientemente claro de um pronome ou expressão (usar o pronome “ele” não deixando claro se se refere ao menino ou ao pai do menino, por exemplo).
As observações acima, oriundas dos resultados de uma avaliação de caráter externo e das análises cuidadosas do grupo de professores de Língua Portuguesa da Rede Municipal de Igrejinha, conduzem a algumas orientações relativamente simples que podem ser postas em prática por professores de todas as áreas do conhecimento e que, sem dúvidas, vão trazer efetivamente melhores resultados dos alunos em todos os sentidos no que diz respeito às práticas escolares de produção escrita.
(1) Exigir respostas completas.
(2) Destacar com clareza trechos em que ocorrem problemas, especificando com clareza para o aluno o problema observado.
(3) Exigir a reescrita quando percebido o problema e auxiliar nesse processo, esclarecendo sua importância.
(4) Fazer o aluno reler em voz alta o que escreveu.
(5) Auxiliar quanto à organização gráfica do texto, demonstrando os limites das margens e os recuos de parágrafos.
(6) Propor objetivos claros para a escrita, estabelecendo o perfil de possíveis leitores-alvo.
(7) Estimular os alunos a escrever com qualidade.
(8) Recorrer e fazer o aluno recorrer mais ao dicionário, orientando seu uso.
(9) Promover a escrita coletiva, no quadro, demonstrando como se faz o planejamento do texto e a organização e a escolha dos argumentos.
(10) Acompanhar os processos de leitura e de escrita dos alunos através do diálogo e de perguntas norteadoras.
(11) Criar situações em que a escrita assuma funções reais no entorno social do aluno e da escola.
(12) Aumentar a cobrança pela clareza linguística na elaboração de respostas a exercícios, não se contentando apenas com a falsa noção de que “dá para entender”.

Quanto a essa última orientação, o que se quer ressaltar é que, infelizmente, se criou uma falsa impressão de que as ideias são desvinculadas de quaisquer formas quando, seguidamente, se afirmam apreciações do tipo “a ideia está boa, mas está muito mal escrito” ou “está mal escrito, mas dá para entender”. Se o texto apresenta problemas de escrita, deve ser apontado, explicado, conferido e reescrito, seja na aula de Língua Portuguesa, seja na de Ciências, História, Geografia, enfim, em qualquer situação escolar.

4 comentários:

  1. "Estamos bulindo com vespeiro"?! Será? Algumas coisas estão sendo desacomodadas, mas é necessário desacomodar. Então, aproveitando que já não somos mais os professores de português de cada Escola, isoladamente, mas o grupo de professores de português da Rede Municipal de Igrejinha, vamos desacomodar aos outros e a nós mesmos.

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  2. Não costumo comentar no meu próprio blog, mas desta vez, não dá pra aguentar! Muito, muito, muito boa colocação. É isso aí, Ana.

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  3. Olá Cassiano!
    Admiro teu trabalho e também tuacoragem, pois quando tratamos de desacomodação, os obstáculos são vários... Parabéns.

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  4. Cassiano, adorei o teu texto. Muito bom, colocações pontuais e super pertinentes. E a reflexão, claro, excelente. Tomara que todo este trabalho logo se frutifique em melhores práticas escolares e em aprendizagens mais significativas aos alunos. Parabéns!

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